Fundamental às empresas compreenderem a distinção entre o instituto da terceirização de serviços e o fenômeno da “pejotização”, com vistas a sopesarem os riscos e benefícios na adoção de tais modalidades.
A terceirização de serviços teve origem nos Estados Unidos da América, prática adotada a partir da Segunda Guerra e oriunda da necessidade que possuem as empresas de focarem em suas atividades principais, com o objetivo do aumento da produção.
Inicialmente o objeto da terceirização eram as atividades secundárias, aquelas consideradas atividades-meio, como logística, vigilância, limpeza, entre outras. E esse modelo passou a ser utilizado no Brasil a partir da década de 1960, sendo considerada forma de trabalho lícita, exceto no tocante às atividades finalísticas da empresa.
Com o aumento da prática, voltada para, além do implemento da produção, a redução de custos com a diminuição da estrutura, a terceirização passou a ser admitida também em relação à atividade principal da empresa.
Tal possibilidade foi respaldada legalmente no bojo da reforma trabalhista de 2017, quando foi inserido no texto da Lei 6019/74 a possibilidade de terceirização de quaisquer atividades, incluindo as atividades finalísticas.
A terceirização, para que não gere riscos, deve observar as regras estabelecidas legalmente, sob pena do instituto não surtir na prática as vantagens decorrentes da desburocratização da atividade e da almejada redução de custos.
Importante que as empresas compreendam que a terceirização diz respeito à cessão a terceiro de uma atividade, e não apenas de trabalhadores. Toda uma atividade da empresa é delegada a outra, que a irá exercer pelos seus próprios custos e com seus próprios empregados.
Deve ser evitada a promiscuidade no sentido de serem utilizados trabalhadores terceirizados para o exercício de atribuições que também são realizadas por empregados da empresa tomadora, o que na prática pode configurar mera precarização das condições de trabalho daqueles terceirizados, com a consequente responsabilização direta do tomador, inclusive em relação ao vínculo de emprego.
Não apenas a cessão de uma atividade determinada e específica, mas também outros requisitos são exigidos para a licitude, como a formalização de um contrato entre as empresas, no qual fiquem expressos os serviços que lhe constituem o objeto.
A relação dos trabalhadores deve ocorrer exclusivamente com a empresa contratada, sem interferência da tomadora contratante, mormente no que toca ao comando diário das atividades exercidas, ou seja, não podem os trabalhadores estarem subordinados a qualquer preposto da contratante. Quem dirige o trabalho é a contratada, prestadora dos serviços.
A empresa contratada deve preencher requisitos conforme a lei, prova de inscrição no CNPJ, registro na Junta Comercial e capital social compatível com o número de empregados, sendo no mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em relação a empresas com até dez empregados, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) quando mais de dez e até vinte empregados, R$ 45.000,00 (quarente e cinco mil reais) quando mais de vinte e até cinquenta empregados, R$ 100.000,00 (cem mil reais) quando mais de cinquenta até cem empregados e de no mínimo R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) para empresas com mais de cem empregados.
É possível que as atividades sejam exercidas pela contratada nas instalações da própria contratante ou em outro local.
Quando os serviços forem prestados no ambiente físico da contratante, esta deverá garantir as condições de segurança, higiene e salubridade, podendo estender aos empregados terceiros, sem que haja reflexo em relação ao vínculo de emprego, atendimento médico e ambulatorial, bem como concedida refeição nos moldes satisfeitos aos empregados diretos.
Exercida adequadamente, nos ditames da lei, a terceirização será lícita, limitando-se à responsabilidade subsidiária da contratante tomadora em relação aos direitos porventura desrespeitados pela empresa terceira, legítima empregadora.
E nesse sentido, não obsta a lei que a tomadora, exija contratualmente a exibição da documentação pertinente que ateste o fiel cumprimento da legislação trabalhista, fiscal e previdenciária.
Por outro lado, o fenômeno da “pejotização” deve ser tratado com cautela. Consiste em contratar os serviços de uma pessoa física por meio de pessoa jurídica de titularidade desta. Não há regulação legal para a adoção de tal modalidade.
Quando os serviços são prestados por pessoa física, em face a características específicas dessa pessoa (pessoalidade), de forma contínua, mediante retribuição e subordinação, a relação é de emprego, e não de prestação de serviços autônomos.
O Poder Judiciário, mormente por meio dos Tribunais Superiores, tem por vezes entendido ser lícita tal forma de contratação. Mas não há norma legal que autorize ou regule tal formatação.
Os próprios tribunais divergem acerca da licitude, principalmente quando essa modalidade é adotada com vistas à mera diminuição de custos e para disfarçar a relação de emprego de modo a atribuir-lhe feição de prestação de serviços autônomos.
A insegurança jurídica na adoção da “pejotização”, expõe o contratante a riscos de relevante passivo, não só de ordem trabalhista como também previdenciária.
A vantagem financeira, decorrente da diminuição de custos que são afetos à contratação de empregados, encargos com FGTS, férias, décimo terceiro salário, horas extras, entre outros, pode ser suplantada pelo reconhecimento judicial de existência de relação de emprego.
A contratação por meio de pessoa jurídica ou “pejotização” deve ser precedida da análise dos reais benefícios da adoção dessa modalidade e dos riscos, bem como atentar o contratante aos necessários cuidados durante a execução do contrato, para que não se configure relação de emprego.
Nesse viés, deve ser respeitada a autonomia do profissional em relação à forma de trabalho, não lhe sendo impostos horários ou regras afetas aos demais trabalhadores empregados, nem lhe estender benefícios afetos a estes.
Cumpre registrar, o fato de uma empresa convolar um contato de emprego em relação de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica, impõe a assunção de maior risco, considerando que na maioria das vezes o relacionamento entre as partes não se altera.
Concluindo, a terceirização é forma lícita de organização da atividade produtiva, e se observadas as previsões e limites legais pode trazer benefícios à empresa contratante (tomadora dos serviços), não apenas de ordem econômica, mas também sob a ótica da organização da atividade, com a desburocratização e aumento da produtividade.
Em que pese a prática da “pejotização” estar cada vez mais frequente nas relações de trabalho, sua adoção requer cuidado. A economia gerada na execução do contrato pode ser transformada em prejuízos relativos a passivos futuros que em muitas vezes superam as vantagens obtidas.
Sobre o autor:
Advogado inscrito na OAB-PR nº 17.803.
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1990).
Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2011).
Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (IBEJ/2000).
Professor de Direito Processual do Trabalho e de Direito Material do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Professor dos cursos de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica e da Universidade Positivo (UP) na disciplina de Direito Processual do Trabalho.
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